Cooperativa Paulista de Teatro
apresenta
TRAPPOLA (O INOCENTE)
De
Sergio Jockymann
“ Um grito contra a engrenagem desumana que sufoca e limita anseios de liberdade”.
Buscando o aprimoramento profissional para ampliar competências e
habilidades artísticas diversificando sempre, o coletivo apresenta o espetáculo
TRAPOLLA O INOCENTE.
SOBRE O ESPETACULO
É muito triste lembrar que a dramaturgia brasileira,
no exato momento em que despontava para os seus vôos mais altos, sofreu uma
paulada violenta, ou melhor, duas pauladas.
A primeira foi
em 64. A virada política que descalçou a bota do desenvolvimento – um hiato
histórico, um buraco negro de mais de 20 anos de duração – frustrou a ascensão
e o amadurecimento de muitos autores que não conseguiram mais encontrar o rumo
promissor do seu início.
Quando a produção literária conseguiu retornar a
estrada desimpedida, muitos autores já haviam tomado outros atalhos e se
perdido no caminho. E aí percebemos
também o alcance da segunda paulada: a morte prematura, cruel, de esperanças
vitais: Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes, Armando Costa e outros jovens
dramaturgos, ceifados antes de atingir o ápice da sua capacidade criadora.
Na época da ditadura dizia-se que, quando raiasse a
liberdade de expressão, as gavetas despejariam no teatro uma produção
brilhantemente amadurecida que haveria de encher de orgulho a literatura
teatral deste país. Ledo engano! Ninguém pode, impunemente, deixar de se
alimentar durante 20 anos.
E o sistema, insaciável, iria deixar de sugar os
melhores cérebros, capazes de escrever os soporíferos melodramas de que
precisava, em nome de uma ideologia sufocada, em nome de uma promessa que
remeteria para o futuro bem distante sua fome de lucros? Pois sim...
Resultado: muitos aderiram, passaram a escrever para a
goela insensível das tevês da vida; outros mudaram de profissão; e muito poucos, poucos mesmo, enfiaram seus textos na gaveta,
a espera de melhores dias. E a experiência fundamental para o desenvolvimento
da sua técnica, foi se esvaindo.
Quando, finalmente, dias melhores chegaram, as gavetas
abertas despejaram muita poeira e, infelizmente, pouquíssimos textos
importantes.
A potencialidade da dramaturgia brasileira, fermentada
durante o período pré-golpe de 64, foi duramente atingida durante 20 anos de censura.
Assim mesmo, varias obras importantes e exemplares para os que teimosamente
persistiram no caminho do teatro foram produzidas e conservadas.
No inicio dos anos 70, um amigo nosso, o ator e autor
de radionovelas, Túlio de Lemos, comentando o Boom das novelas de TV, dizia: “... esse negocia não tem a menor
chance. Dentro de dois anos no Maximo, estará acabado!” Coitado... Túlio já se
foi e as novelas aí estão.
Mas alguns sobreviveram ao turbilhão das implantações
das tevês super comerciais da vida e continuaram desenvolvendo as suas técnicas,
solitariamente. Entre eles Sergio Jockymann. E sua peça atesta a vitalidade
dessa dramaturgia que teima em resistir à indiferença dos promotores da
“cultura” do Brasil.
A dramaturgia deste escritor gaúcho tem a irreverência
característica do humorista, cujo compromisso maior é satirizar a hipocrisia e
os absurdos do mundo em que vivemos e a consciência política que predomina nos
escritores cujo compromisso é ideológico e cujo tema é sempre o combate às
injustiças sociais.
Assim, em Trappola, O Inocente vemos três personagens
envolvidos numa trama absurda e instigante, onde a habilidade do dramaturgo
leva a atenção do espectador a acreditar ora num, ora noutro aspecto da
história que lhe é apresentada.
E esta técnica
é exercida com tal sensibilidade que ultrapassa a aparente realidade da cena
representada, exibindo a insensatez e a crueldade de que o ser humano é capaz em
suas artimanhas.
Jockymann fala – indiretamente, é verdade – do mito da
liberdade na sociedade capitalista em que vivemos; a tentativa de fazer o
direito de escolha, a tentativa de não se prostituir. Um grito contra a
engrenagem desumana que sufoca e limita anseios de liberdade.
Contribui para exibir os alicerces corroídos da sociedade
em que vivemos.
O personagem Luigi em Trappola pertence a mesma
linhagem do Zé do burro ( pagador de promessas), do Pedro Malasartes, do
Macunaíma ou ate mesmo dos Arlequins da tradicional comedia dell’arte, ou seja,
aquela mistura do personagem representante do bom senso popular, ingênuo e
cheio de boa fé nas suas ações.
Pode - se ate considera-lo protegido pela providência
(quando se acredita na providencia), visto que, pelo menos nas comedias, no
final acaba levando a melhor.
Sergio Jockymann pertence a mesma corrente
sobrevivente da mais atuante dramaturgia brasileira nestes últimos anos.
Com seu estilo cultiva a mesma irreverência e a mesma
critica a exploração que as injustiças nos submetem, a mesma consciência da
fragilidade do ser humano diante da arrogância e do preço que somos obrigados a
apagar a todo instante.
Teimosamente, portanto, como diria um velho professor
de latim nos tempos de ginásio, são eles um “exemplo vitando”, isto é, um
exemplo digno de ser imitado. Suas peças são escritas para um teatro que, a
despeito das pressões e do desamparo, teima em permanecer vivo. Aleluia!
José Renato – diretor teatral,
autor e professor de artes cênicas.
Foi o fundador do teatro de arena de São
Paulo, dirigiu mais de 70 peças durante os seus 50 anos de profissão.
SINOPSE
m professor
que atende pelo nome de Pietro Sanvini e Torvo Gino, um comerciante. Durante o período em que estão presos conversam sobre política. Refém de sua ignorância, o contador se
equilibra numa corda bamba de duvidas, incertezas e luta para sair de uma
situação que pra ele é simplesmente absurda: privado de sua liberdade acaba vivendo o horror da prisão política.
CONCEPCAO E
JUSTIFICATIVAS
Jung
e Nietzsche concordam que nada se teme mais que ganhar consciência.
Quando o mundo "parece" explicado, Jockymann nos trás esse
texto irônico e revelador.
Quais
ideologias nos pertencem, ou qual somos pertencidos? Que imagem fazemos de nós
mesmos?
Somos
inocentes nessa reflexão?
Será
que basta não criar de si mesmo uma imagem de "reduto do bem e da
honestidade"?
O
bom-mocismo social é o novo puritanismo hipócrita do início deste século. Os
crimes não cometidos já estão no fundo dos corações há muito tempo e, para
serem executados, só lhes falta a segurança da impunidade.
E
o que estamos assistindo? Dessa forma, se o caráter nacional já tiver em seu
bojo o maligno, não haverá nada que o teatro possa fazer, diz Rousseau. Não?
Bom, não acreditamos nisso, nem Jockymann.
Aquele
que sabe deve aprender a dizer sua sabedoria e, com frequência, de modo que ela
soe como uma tolice, inocentemente!
"Ter opinião sobre tudo" é um
fetiche típico do humano hoje, e em "Trappola, o inocente", as
opiniões vão surgindo aos poucos, em doses homeopáticas, e vão se transformando
em "dogmas", em ideologia.
Logo
fica claro que a grande força do texto está em sua estrutura
"pericial", quase jurídica dos diálogos, o que obriga os atores a uma
interpretação dúbia ao objetivar uma descoberta sem se revelar. Um ácido embate
frente a uma situação limite: o cerceamento da liberdade num regime fascista,
que só é possível existir quando inocentes acreditam que é possível uma
convivência sadia num regime totalitário. Não será melhor uma
possível absolvição de um culpado, do que uma possível condenação de um
inocente? A fala final do espetáculo abre a discussão dessa questão, e é sua, espectador,
a "sentença"!
Levantar este espetáculo é desafiador no sentido
mais saboroso da palavra. É, exatamente na palavra que ele se alicerça, cresce,
evolui e se transforma. Como diretor o trabalho é provocar cada ator para uma
reflexão verticalizada das frases, já que as palavras soam superficiais, mas
engendram objetivos, idéias e um jogo dialético criminoso entre os personagens.
Colocá-los concretamente dentro de uma cela é
primordial, onde aconteça o que for, não há saída, onde a ação tem que
continuar, e mesmo os silêncios tem ruídos reveladores.
Qualquer aparato cênico a mais, só iria
atrapalhar o que deve ser o foco desse trabalho: a interpretação dos atores. É
aí que o espetáculo mostra sua força. O ator e a palavra. Esta, tão abandonada
pelo "teatro moderno", mas nunca esquecida pelos grandes autores. O
coletivo "A palavra e o gesto", encontrou em Jockymann seu interlocutor
certeiro. E a dimensão a ser atingida não é simples. Trata-se da palavra de
maior conteúdo da história: "liberdade". E se ainda não a
conquistamos, somos todos culpados, pois sermos inocentes nos torna
extremamente "perigosos". Bom espetáculo.
Ficha tecnica
TEXTO:
Sergio Jockymann
ELENCO:
Alexandre Mattos, Celso Cardoso e Ney Rodrigues
DIREÇÃO:
Will Damas
Will Damas
CENOGRAFIA:
TRILHA SONORA:
OPERAÇÃO DE LUZ E SOM:
ADMINISTRAÇÃO:
Celso Cardoso
PRODUÇÃO: